Capítulo 4 – O anúncio do messias domingo, set 26 2010 

Num ponto remoto, um misterioso forte abriga um grupo de pessoas. Dentre elas, o mesmo cavaleiro e o misterioso ser encapuzado, dos ataques de Elsydeon. A sala principal do forte era imensa, coberta de adornos, como bandeiras, castiçais e uma vasta mesa atravessando o centro, com dezenas de cadeiras. O cavaleiro negro permanece atrás do mesmo ser misterioso, enquanto um aglomerado de pessoas se forma naquele lugar. Muitas pessoas, vestidas à moda vitoriana, com ternos, gravatas,monóculos e chapéus.

Então, o corcunda encapuzado senta-se numa cadeira. Ele olha para todos e sorri.

– Saudações, irmãos. Quero que celebrem hoje, mais um triunfo glorioso. Nossos anjos destruiram o inferno chamado Elsydeon. – Sorri, tirando o capuz que cobria sua cabeça. Era calvo, demonstrava ter idade avançada, e a insanidade do fanatismo e serventia a Agito em seus olhos. Em questão de poucas horas, nossos anjos expurgaram o mal que rondava aquelas terras! Agora, nós poderemos construir um futuro de glória!

As palavras inflamadas do ancião levam todos presentes na sala a aplaudirem vigorosamente. Eram antigos cultistas de Arcádia e membros honorários da Ordem. Todos compartilhando do mesmo ideal.

Milo mantinha a sua pose firme, observando a todos ali presentes.

– Logo, meus irmãos, poderemos presenciar o futuro, seremos os escolhidos, para salvar o mundo destes humanos tolos! Seremos o alicerce da salvação! – As palavras do ancião misterioso prendiam a atenção dos presentes, de tal forma que todos olham em seus olhos, como se estivessem em transe.

Uma salva de palmas ecoou por toda a sala. Milo então sentiu algo perfurando sua mente e chamou seu senhor. Os dois então pediram para os convidados se retirarem, ao ficarem a sós, o cavaleiro observa seu superior e então, seus olhos brilham.

– Lorde Galdran – Afirmou com uma voz firme e vazia de expressões e sentimentos – Sinto que algo está errado.

O sacerdote observou o paladino negro e arqueou as sombrancelhas.

– Do que diabos está falando?!
– Falcon.
– Hein?!

Milo então explicou, com detalhes, sobre como Chris Falcon sobreviveu ao ataque, usando o pequeno orbe atado à bainha de sua espada para criar um campo de força. Galdran sorriu. Juntou as mãos e logo em seguida, bateu as palmas das mãos no chão. Um círculo brilhante de magia arcana se manifestou naquele lugar, e dali saiu uma criatura, um ogro de dois metros e meio de altura, carregando um enorme machado em suas mãos.

– Vá, minha criança. Vá. E encontre o verme maldito que ousou se rebelar contra seu salvador. – Riu, já planejando algo maior enquanto o ogro saia furiosamente em busca da jovem ruiva.

– Desta vez… o poder daquela marca do dragão será meu. Hahahaha…

Edit: este é um capítulo mais curto, de transição. É aqui que a verdadeira história começa!

Abismos sábado, set 25 2010 

Às vezes ele se sentia como se estivesse atrás de um vidro, separando-o das pessoas ao seu redor. Era como se houvesse um enorme mar de trevas separando-o das pessoas: um abismo.

Ele era certamente uma fonte luminosa poderosa. A única conclusão que sua apurada mente pode chegar era a de que para existir as trevas, deveria haver a luz. Se havia trevas entre ele e as pessoas, ele deveria ser a luz. Os outros? Não, eram inferiores demais para serem comparados até mesmo a um vagalume.

A certeza veio alguns dias atrás, quando Anastácia virou para ele com um ar intrigado.

– Nossa! você tá virando nerd.

Ele sorriu, meneou a cabeça e respondeu algo como “eu percebi”. Como assim? Ele está se tornando um nerd. Primeiramente, ninguém se torna algo.

Como dizia o sábio Zedd, personagem de seu livro favorito, “Não podemos ser nada mais do que somos”.

Claro, ele não podia estar se tornando algo que ele já era. Ela não havia percebido, era isso.

Mas quem alguma vez conseguiu entendê-lo?

Uma amiga distante, mergulhada em seus próprios tormentos, conseguia entendê-lo, contudo, ao seu redor, ninguém o entendia.

Certamente você deva estar imaginando o garoto como aqueles típicos excluídos que atendam ao perfil de um nerd. Não, não se engane. Alexander era alto, porte atlético, nadou, jogou basket, andou de skate, foi em festas, passou férias com os amigos na praia. Ele era o que as pessoas podiam chamar de um adolescente normal.

Mas isso era uma parte dele.

O que as pessoas não viam, estava escondida sob a superfície.

Quanto mais ele mostrava quem ele realmente era por baixo daquele personagem, menos as pessoas o viam.

Era como se ele tivesse dentro de si um lugar seguro para se esconder. Esconder-se do mundo, dos problemas, uma válvula de escape. E essa era através da leitura, dos jogos, da escrita.

Alguma coisa dentro dele era invencível, sempre tornando suas fraquezas em força.

Ele manuseou o livro em suas mãos: um livro de matemática.

Afinal, o que um jovem estudante de direito faria com algo assim? Talvez ele fosse tão diferente dos jovens britânicos que isso não pudesse ficar enterrado por muito tempo. Mas qual o problema com a fome de conhecimento?

Talvez o problema fosse que essa fome o consumia. Às vezes ela saltava em seus olhos, e quando isso acontecia, ele precisava rapidamente se controlar.

Suspirou, sorriu para si mesmo.

Uma semana depois do comentário infame de Anastácia, outro golpe em sua fé nas pessoas. Estava em meio a uma interessante aula, quando sua amiga se levantou e foi embora. Aviso para poder copiar a matéria de sua outra amiga, Janet, ele pulou para o lugar ao lado dela, outrora ocupado por Anastácia. Numa tentativa de não incomodá-la, pegou seu caderno sobre o colo e empurrou a mesa um pouco para frente, para ter espaço.

De repente, o barulho.

O livro de Janet estava dividido entre as duas classes, e quando ele moveu a dele, o livro moveu-se na outra mesa empurrou o estojo dela no chão.

– Você tinha que vir para cá né? Não podia ficar no seu lugar.

O garoto nada disse. Sua vontade foi de xingá-la, falar tudo que pensava dela. Como ela ousava repudiá-lo assim? Deveriam ser amigos, e amigos deveriam se ajudar. Não, era mais do que isso, um ser humano não deveria se importar com coisas tão banais, como acidentes.

O problema não era a amizade, o problema eram os seres humanos.

Desde aquele dia, sua mente vinha sendo assombrada por essa percepção: Havia um abismo entre ele e a humanidade. Alexander sabia que não era perfeito, cometia erros e maus julgamentos, mas tinha certeza que era um ser humano melhor que a maioria.

Que a maioria, claro, existia exceções. Não havia duvidas de que algumas pessoas se salvavam.

Escorou-se numa parede, era um dia quente de verão. O sol brilhava forte no céu parcialmente nublado. Em Manchester os invernos eram extremamente frios, e os verões extremamente quentes. O suor molhava sua testa e uma gota descia lentamente por suas costas. Deveria estar ali a pouco mais de quinze minutos e nada do maldito ônibus chegar. Odiava ônibus.

– Hey, cuidado! – gritou uma garota.

Ele virou-se a tempo de vê-la.

Seus cabelos castanho-escuros balançavam no ar. Ela trajava uma calça jeans, apesar do calor e uma blusa regava leve branca. Ela acenava como uma louca, balançando os braços, e nisso fez dois carros pararem, um de cada lado da via.

Ele, assim como todos que observavam, não entendeu. Ela se abaixou, mas ele não pode ver para que, pois a Mercedes bege que ela havia parado atrapalhava sua visão. Ela começou a correr e aproximou-se da calçada, trazendo nos braços um pequeno gato malhado branco e preto.

Alex ergueu uma sobrancelha, impressionado.

Exceções.

Ele sorriu, como não? Como ele poderia não ficar feliz por ver uma garota arriscar sua própria vida para salvar um animal indefeso?

Ele marchou até ela, decidido: tinha de conhecê-la.

– Com licença? Posso ajudar?

– Não, obrigada. Ele está com a pata machucada, vou levá-lo a um veterinário.

Ela deu as costas para ele, com o felino nas mãos, e saiu andando. Ele acelerou o passo e a alcançou.

– Posso ir com você? Adoro gatos – ele sorriu, coçando atrás da cabeça e corando – e animais em geral, sabe, meu sonho é ter um husky siberiano e um gato preto de olhos amarelos.

– Eles soltam pelo demais, sabe? – ela sorriu gentilmente.

Ele percebeu que era um convite e seguiu com ela.

Talvez finalmente Alex tivesse encontrado alguém na mesma margem do abismo que ele.

Manhã de primavera. terça-feira, set 21 2010 

Ela diz que foi um dia lindo, cheio de flores, de um sol perfeito.

Ele diz que o ar estava cheio de cheiros, e o verde da floresta estava maravilhoso.

Ela havia passado a noite no laboratório do pai, estudando novas poções, e saiu logo cedo para apanhar ervas frescas. Vestia um vestido longo, de um azul profundo, q contrastava lindamente com sua pele e seus cabelos claros. Se armou com uma cesta, para apanhar as ervas e saiu. Caminhou por um longo tempo entre as arvores, colhendo aqui e ali o que precisava. Mas a floresta estava tomada de flores, e algum tempo depois, em uma pequena clareira, e já com a cesta cheia delas, sentou-se, e começou a trançá-las em forma de coroa, para ofertar a Deusa.

Ele passou a noite com a matilha. Caçaram alguns vampiros que apareceram no território, e Ares estava com o ego lá em cima, por ter conseguido eliminar mais alguns malditos da face de Gaya. Voltou ao alvorecer, junto com os outros, e, ao invés de ir descansar, voltou a forma humana, tomou um banho, e disse q ia dar umas voltas na floresta, aspirar ar puro ver a beleza de Gaya em seu resplendor natural. Vestiu um jeans, e jogou a camisa sobre os ombros, e saiu sem rumo, apenas apreciando o ar puro da floresta, buscando revigorar suas forças nesse contato. Algum tempo depois, apanhou uma maçã fresca, recostou-se a uma arvore, e começou a comê-la com gosto. Foi quando um cheiro sutil, mas bem conhecido, invadiu suas narinas. “Vampiro”. Sua mente apontou logo a ideia, e o ódio pela raça maldita invadiu todos os seus sentidos. Imediatamente, ele se tornou aquilo que realmente era: um caçador. Saiu pela mata, seguindo o rastro do cheiro nojento, mantendo-se oculto entre a vegetação, esperando pegar o ser nojento desprevenido. Mas algo parecia estar errado. Como poderia haver um vampiro ali, no meio da manhã? Possivelmente, algum maldito se abrigara no local, e estaria em seu transe diurno, escondido na vegetação, se achando a salvo. Ares salivava, imaginando se mataria o vampiro ainda dormindo, ou se o levaria para despertar em meio a matilha. Sorriu consigo mesmo, pensando no quanto seria divertido ver a cara de susto do ser nojento..

Esgueirou-se por entre as arvores, sem fazer barulho..parecia que a coisa estava por perto. Mas o que ele não entendia, é que o cheiro parecia vir de uma área bem mais aberta a sua frente. Ares buscou um tronco mais grosso onde se ocultar, e tentou ver a criatura. E o que viu foi uma mulher, ali sentada, de costas pra ele…cabelos loiros que brilhavam ao sol. Parecia concentrada em algo. O garou franziu a sobrancelha. Algo ali não parecia se encaixar. Como essa mulher podia estar sentada, em atividade no meio da manha, se cheirava como um maldito? Definitivamente estava errado. Decidiu verificar de perto. Afinal, era apenas uma mulher, e seja lá o que fosse, ele estava preparado para enfrentá-la. Ajeitou a camisa no ombro, e saiu da mata em direção a mulher.

– Bom dia.

Disse, enquanto se aproximava. Ela virou, assustada, se maldizendo por estar tao distraída que não percebeu que mais alguém estava próximo. Ficou de pé com um pulo, derrubando todas as flores no chão, e a primeira coisa que notou foi o quanto ele era mais alto que ela. E logo em seguida, teve certeza do ‘que’ ele era. Procurou com os olhos uma possível rota de fuga, enquanto forçava um meio sorriso, e respondia.

– Bom dia, senhor.

Syn sabia que não havia muito a fazer. Tinha certeza que ele era um garou, e sabia bem que os da raça dele não pensavam duas vezes em estraçalhar os que eram como ela. Tinha magias e velocidade de sobra para escapar, mas o diabo do bicho a pegara desprevenida. Fitou os olhos dele, e só então percebeu o quanto ele era bonito.

O garou teve q engolir o susto, quando ela ficou de pé rapidamente a sua frente. A primeira coisa que viu foram os olhos…azuis. Dava até vontade de se afogar neles. Nos milésimos de segundo q ela levou pra ficar de pé e responder, ele percorreu todo o seu corpo com o olhar. Parecia tao frágil…e tão linda. Quando fitou novamente seus olhos, teve vontade de rir. Eles pareciam dizer com todas as palavras que ela estava com raiva, e acuada, ao mesmo tempo. Aquilo pra ele era diversão pura. E quem ia negar a ele o direito de se divertir com uma caça tão…..bela? Abriu um dos seus sorrisos encantadores.

Desculpe, não queria atrapalhar. – ele disse apontando para a coroa de flores largada no chão. – Posso?

Perguntou, já sentando, ao lado de onde ela estava sentada antes. Ela olhou aquilo, ergueu uma sobrancelha, num gesto tipico seu, pensando no que poderia querer aquele garou. Sabia que alguns garou tinham amizade pelos magos, mas não tinha ilusão de q ele não soubesse que ela era uma vampira. E os garou não são conhecidos por terem amizade com vampiros. A não ser que….a ideia que passou pela sua cabeça a fez querer gargalhar. Bem, se esse garou desejar tal coisa, vai aprender uma lição…Sentou ao lado dele, sorrindo, com os olhos brilhando de novo. Tudo que ela mais gostava era um desafio. E um garou metido a conquistador seria um desafio no minimo, divertido. Tomou as flores e voltou a trançar a coroa, ja se sentindo completamente calma, enquanto sua mente fervilhava, se pondo em prontidão para um possível ataque da parte dele. Mas o que ela suspeitava ia tomando forma, enquanto o garou perguntava do clima, fazia elogios as flores, tão descaradamente galanteador que ela tinha que segurar o riso. E assim passou um bom tempo, os dois lado a lado, sentados em meio a bela clareira, iluminados por um sol radiante… Ele, tentando jogar iscas para adicionar a vampira em sua conuista amorosa, ela se esquivando e achando graça secretamente.

Já em casa, Ares não conseguia encontrar uma desculpa convincente para si mesmo, do por que a tinha deixado ir intacta pra casa.

Ela não conseguia parar de sorrir, lembrando das tentativas frustradas dele em conquista-la.

Ambos pensavam em retornar a floresta no dia seguinte.

Afinal, quem sabe???

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Syn é uma personagem de RPG ( vc não sabe o que é? então clica aqui, e descubra). Ela passeia por varios universos do role playing, especialmente WoD, sendo, portanto, pura ficção.

Por alguns anos, joguei com ela,  e uma campanha em particular marcou muito: quando ela se envolveu com o garou Ares. A historia ganhou um espaço consideravel em minha imaginaçao, ao ponto de que eu extrapolasse as fronteiras do RPG, e fosse bem além.

Aprendi muito com o RPG, mas sempre vale o lembrete do pessoal do Page of Mirrors:

RPG é um jogo. Como tal, ele não requer apenas imaginação, mas também bom senso. O bom senso diz que as palavras de um jogo imaginário não são reais. O bom senso diz que as pessoas não devem tentar realizar “feitiços mágicos” baseadas em uma criação totalmente derivada da imaginação de outra pessoa. O bom senso diz que você não deve tentar desvendar agentes do sobrenatural com inspiração em uma obra completamente fictícia. O bom senso diz que jogos são apenas para se divertir e quando eles acabam, é hora de colocá-los de lado.
Se você perceber que está distante do bom senso, desligue seu computador, afaste-se calmamente e procure ajuda profissional.
Para o restante de vocês, aproveitem as irrestritas possibilidades de sua imaginação.

Capítulo 3 – A chegada ao país das maravilhas domingo, set 19 2010 

Ainda dentro daquela majestosa aeronave, Falcon conta a Rufus sobre como se tornou uma garota e sua antiga relação com os responsáveis pelo ataque a Radaxia e sua transformação.

Rufus ainda tentava se acostumar com aquilo. Chris descansava calmamente, no prazo de pouco mais de uma hora após a conversa, ela se sentia renovada. Mas havia algo faltando…

– Ei, onde estão minhas roupas? – A ruiva arqueou as sombrancelhas após se dar conta de que estava praticamente nua, envolta apenas por um lençol de um tecido rústico cobrindo o corpo.

– Suas roupas? Ou o que restou delas? – Rufus perguntou, com um tom de deboche em sua voz. – Quando te achei, aqueles trapos mal poderiam servir até mesmo pra usar como luva.

– Hein? Como assim?

– Não se exalte, meus “homens de aço” não fizeram nada com você enquanto você dormia. – Ele acendeu um cachimbo e pôs-se a fumá-lo calmamente.

Chris não havia entendido o que ele quis dizer com “homens de aço”. Até que um deles chega. Não um homem de verdade, mas uma máquina humanóide a vapor, com seus tons acobreados, duas esferas luminosas nos olhos, passos calmos e um jeito gentil, que olha para Chris. Esta retorna o olhar aos golems, já familiarizada com tais seres, um olhar carinhoso e cheio de agradecimento.

– Poxa, nunca pensei que você falasse tão sério! – Chris fitou o navegante, rindo.

– Sim. Mas veja. Essas belezas são muito mais confiáveis do que minha velha tripulação. – Rufus se levantou, ajeitando os óculos de navegação em sua cabeça. – Se aquele bando de macacos selvagens estivesse aqui, no lugar dessas obras primas, creio que eles teriam fugido do controle com sua presença. Em outras palavras, poderia ter sido violentada e depois jogada em um canto qualquer. Meus homens eram imprestáveis, beberrões e pervertidos. Durante anos fui visto como um pirata, um saqueador barato, e agora, meus homens de aço me fazem reviver os meus sonhos de criança. Este que você vê agora, é meu mais precioso aliado, Lars Tyson.

– Uau, ele tem nome e sobrenome!

– E também sei falar e cozinhar. Encantado, Lady Chris Falcon. – Lars curvou-se respeitosamente na frente da garota, e logo virou-se de costas. Lars seguiu caminhando em direção a uma cabine próxima, e mostrou algumas roupas para a menina, que ficou encantada com a gentileza do homem-máquina a vapor. As roupas consistiam em um belissimo conjunto de camisa social, mini-saia, meião, botas de cano longo, um casaco e um par de luvas. Todas as peças de roupa tinham uma temática militar. Além das roupas, uma belíssima espada katana, convenientemente envolta em sua bainha, azul, com adereços de dragões em tom dourado.

– Senhor, creio que devemos deixar milady Falcon vestir-se. – Lars caminhou em direção à saida do aposento.

Rufus saiu logo em seguida. Durante o tempo em que ficou cuidando da menina, um homem de aço tomou a direção e manteve o curso. O dirigível colossal flutuava em meio a um vasto vale verdejante.
Assim que terminou de se vestir, Chris saiu pela porta. Estava realmente muito bonita! Ainda prendeu os cabelos num rabo de cavalo e vestiu um par de óculos que havia encontrado. Ao caminhar para agradecer a Rufus e seus humanos “vaporizados”, desfilava como se fosse uma deusa frente aos mortais.

– Muito obrigada por tudo. Mesmo! – Sorria feito uma criança. – Pra onde a gente vai agora?

Rufus sorriu e verificou em sua bússola.

– Estamos chegando na cidade de Valparine em menos de uma hora. Lá, você poderá descansar e se abastecer.

O sol estava se pondo, a vista do crepúsculo diante da fortaleza voadora era algo de encher os olhos. O céu dourado formava um contraste perfeito com as belas planícies verdejantes e as montanhas prateadas ao redor, somados com a vista de uma metrópole que se formava cada vez mais visível aos olhos da tripulação de máquinas, comandada por um humano. Era a cidade de Valparine. E faltavam apenas dez minutos para aportarem na cidade.

– Estamos chegando, minha jovem!

– Uau… que cidade linda! É incrível! Nunca tinha visto nada assim antes. A garota sorria feito criança, assim que a embarcação se atraca a um prédio gigantesco.

– Chegamos, Chris.

Ela corre saltitando de alegria ao ver tudo aquilo – finalmente, estava viva. Se tornar uma garota? Ela estava aos poucos se acostumando com a idéia. Adorava ter um motivo real para ser admirada, adorava que todos achassem que era era linda, e não apenas ser lembrada por motivos de nobreza. Não apenas por ter um pai que foi um cavaleiro bravio. Ao sair do navio, acenava vigorosamente, dando gritos de agradecimento e despedindo-se de maneira dócil e alegre.

Era o momento mais feliz que poderia viver, as pessoas olhavam sua vivacidade e os olhares de admiração e curiosidade recaiam sobre seu corpo. Era como se um deus tivesse enviado seu avatar ao reino dos mortais.

Múltiplos quarta-feira, set 15 2010 

– Bom dia doutora – disse a delicada voz da garota.

– Bom dia Letícia. Como tem passado?

A psicóloga Maura Moreira ajeitou os óculos, e sorriu gentilmente para sua paciente. Era um dia comum no outono Porto Alegrense, o sol entrava pela janela, aquecendo Letícia, mas na sombra estava frio. Maura ajeitou seu casaco enquanto rabiscava algumas notas em sua prancheta.

– Ah, estou um pouco melhor, desde que comecei a gravar os vlogs como a senhora recomendou. Já tive dez mil acessos no youtube. Parece que as pessoas gostam desse tipo de drama.

– Como colega de profissão você deve saber como os seres humanos são carniceiros e gostam de uma tragédia, é o meio deles satisfazerem suas necessidades abomináveis.

– Claro, claro – concordou Letícia, sem na verdade concordar.

Letícia tinha sido estuprada quando era criança. Era uma noite de verão no Rio de Janeiro. Ela e seus pais estavam de férias quando ela se perdeu na multidão. Um homem estranho, careca, apareceu e a levou para um canto. Estuprou-a num beco.

Ela tinha somente sete anos.

Uma idade em que muitas crianças vão a escola, fazem amigos, freqüentam cursos, se divertem. Ela não. Ela precisou lidar com aquela tragédia que a abalou por toda uma vida.

– Doutora, acho isso inútil. Não vejo como isso vai ajudar a Letícia – comentou Carmem. – temos muito o que fazer essa noite, não podemos perder tempo com isso. Vamos rápido.

– Deixe de ser impaciente, por favor, me deixe em paz – retrucou Letícia, levando a mão à testa, com uma expressão de cansaço e estresse.

– Acalmem-se vocês duas, não briguem – a doutora interveio, olhando nos olhos de Letícia – me conte, o que tem te estressado?

– Pegar ônibus principalmente? Ok, isso é fútil, mas entenda, é cansativo. Já tenho que trabalhar o dia todo. Queria poder me ajudar, como ajudo meus pacientes.

– Casa de ferreiro espeto de pau, né? – disse Carmem rindo.

Carmem poderia ser considerada uma mulher bonita, com fartos seios e um cabelo ondulado, e muita maquiagem no rosto, era um pouco menor do que Letícia. Ela, por sua vez, odiava maquiagem, odiava sair de casa e tinha cabelos loiros, igualmente ondulados.

– E as fotografias, é um bom hobby, tem lhe ajudado?

– Sim Dra. Moreira, isso é relaxante, tenho ido a parques nos fins de semana, quando bem…quando a Carmem deixa.

– Como assim? – questionou a psicóloga enquanto anotava alguma coisa

– Ela geralmente sai sexta-feira de noite, e fica de ressaca a manhã e a tarde toda, e ainda quer sair à noite! Simplesmente podando meus direitos. Não agüento mais isso.

Carmem atirou-se no sofá, pondo os pés para cima, e gargalhou

– Ela é careta demais. Não vou viver isolada em casa só pra ela tirar umas fotinhos inúteis, né? Tenho que ganhar meu dinheiro. Meus clientes são exigentes, alguns deles são políticos, outros empresários.

– Ridículo!  Não precisamos desse dinheiro, com meu trabalho dá pra viver, e pra você isso é um hobby, não é justo você tirar o meu.

– Acalmem-se! – a doutora suspirou – foquem-se no problema.

– É melhor você se acalmar, ou ele vai acordar.

Os olhos castanhos claro, quase esverdeados, dela recaíram sobre o homem careca, forte e de ar rústico. Ela o sentia ali, obviamente, o tempo todo, mas tentara ignorar sua presença.

– Não me lembre dele.

– Letícia, me escute, foque-se em mim, ok?

A paciente suspirou, levou a mão ao cabelo dourado, segurando a cabeça, lagrimas sugiram nos seus olhos.

– Faz dezoito anos que eu vivo com isso, não agüento mais. Carmem me ajudava muito na escola, claro. Mas não dá mais, eu queria muito ter minha vida.

– Pelo menos você não é ingrata – Carmem cruzou as pernas firmes da academia, sua voz saia suave de seus lábios carnudos. Um traço da família de Letícia.

Ela sentiu a brisa entrando pela janela, tocando seu rosto. Levantou-se e andou pela sala, Olhou por cima do ombro, Carmem ainda estava no sofá, sempre lhe observando, olhando para o que ela olhava. Era impossível se livrar dela.

– Por que vocês simplesmente não vão embora?

Carmem começou a enrolar a ponta dos cabelos castanhos em seus dedos, um sorriso delicado e convencido.

– Querida, não podemos ir embora. Você precisa de nós.

A doutora virou-se para a paciente, que andava inquieta e mexia no cabelo, ajeitou os óculos.

– Vejo que chegaram a um consenso sobre isso pelo menos, o cabelo.

– É, conseguimos. Viva a democracia. – retrucou Letícia com ar sarcástico.

– Não…ele…acordou.

Alberto sorriu. Um sorriso amarelo, escroto. Ele passou a mão na cabeça. – Essa peruca que vocês colocam em  mim, sem condições. – Ele parou ao ver a doutora – ora, ora, o que temos aqui?

Ele se aproximou dela, seus olhos sedentos de desejo. – você parece ser mais velha do que o meu tipo, sabe, adolescentes, mas dá para o gasto.

Ele levou a mão esquerda até a mão da doutora, e puxou para o seu peito.

– Sente isso? Não gosta de um peitoral definido e firme como esse?

A doutora sorriu de canto, constrangida.

– Para com isso, que nojo – gritou Letícia, puxando a mão dele de seus seios.

– Ai garota, como você é santinha. Eu adoraria ver aranhas brigando.

– Vocês dois são nojentos. Desculpe doutora.

Letícia, com lagrimas nos olhos, saiu correndo da sala.

Maura suspirou, anotando em sua prancheta.

Grave caso de dissociação de personalidade, o tratamento não vem surtindo efeitos como esperado.

 

 

 

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O Transtorno Dissociativo de Identidade é uma doença grave. Muitas vezes, possessões espirituais não envolvem nada de sobrenatural, e são meros casos de dissociação. A pessoa sofre de uma fragmentação do Ego, e as personas podem ser diferentes física e mentalmente uma das outras. Uma pode ser criança, outra homem, outra mulher. E todas realmente acreditam que são assim. É uma doença sem cura, mas com tratamento pode-se amenizar o problema.Geralmente surge em decorrência de traumas na infância. Algumas vezes as personalidades interagem entre si, em outras, a pessoa não sabe da existência delas, somente tem “brancos” na memória. O caso mais famoso é de Alice, retratado no livro “Hoje sou Alice – nove personalidades, uma mente torturada.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_dissociativo_de_identidade

Troca de Sombras, capítulo 2: Adormecer no inferno, despertar no paraíso domingo, set 12 2010 

Com muita dificuldade, as dores ainda flagelando o corpo, Chris Falcon se levanta. As pernas e o corpo como um todo se tornaram pesados demais, os efeitos do choque de energia ainda estavam bem fortes. Com a boca e a testa sangrando, cheia de hematomas e cortes, se arrastou até a Murasame, e usou a espada como uma espécie de bengala. Mancando, e transformado numa ruiva de corpo escultural, não seria muito dificil achar ajuda…

…exceto pelo fato de que não só a sala do trono, mas o castelo e até mesmo a cidade toda fora tragada por aquelas chamas infernais. Haviam apenas ruínas em todo lugar.

– O… o que aconteceu aqui…? – Encarava, com os olhos abertos, e uma expressão de pânico no rosto. Falcon caminhava em meio ao que restara de um vasto ataque. Escombros e mais escombros, casas e prédios inteiros arrasados e reduzidos a quase nada.

As horas se passaram pesadas e de modo lento e doloroso na Elsydeon devastada. Chris havia parado para descansar. Logo, surgiu outro problema. A fome. Não, não aquela “fome” que se sente ao ver aquele belo prato de comida, mas a FOME. A inanição e a perda de sangue torturavam a garota, que após alguns minutos, voltou a lutar contra as dores causadas pela luta com Milo.

As longas e sofríveis horas de caminhada a levavam agora para um desfiladeiro distante da cidade. Conseguiu achar, com muita sorte, alguns pedaços de pão, quase todo imprestável graças ao calor do fogo. Mordiscou levemente um pedaço, e ficou mastigando por um tempo, até que essa minúscula mordida deu-lhe forças para continuar.

Seguiu caminhando a passos duros e mancos em direção ao norte, não tinha noção de onde estava indo. Mas o cansaço bate…

Velas.
Som de canos exalando fumaça a vapor.
Um cheiro gostoso de comida.

Ao acordar, Chris percebe que não estava naquele mesmo lugar. Era diferente. Um quarto quentinho e confortável, roupas limpas, sentia não mais a dor dos cortes, nem os sangramentos e o ardor do choque de energia que praticamente lhe salvara a vida, mesmo que ao custo de ter seu corpo mudado radicalmente.

– Ah, finalmente acordou. – Uma voz grossa e rouca veio de perto da porta localizada perto dali. Um senhor barbudo, corpulento, de cabelos castanhos e trajando roupas de mecânico, um óculos de piloto cobria sua testa.

– Sim… mas onde eu tô? – A ruiva perguntou em um tom fraco, estava aérea, sua barriga roncava alto e ela ficou completamente sem graça. Seus sentidos estavam levemente debilitados pela fadiga.

O homem sorriu – Estamos a bordo da minha bela aeronave, Tokugawa. E trouxe algumas coisas. – Dizia sorridente, trazendo uma bandeja com alguns pratos em cima. Ele deixa próximo de Chris, que começa a comer vorazmente, como se não visse comida a anos.

– Obrigada! – A ruiva sorri, deixando todos os utensílios sobre a bandeja. – Finalmente, uma comida boa! Como se chama, senhor?

– Sou Rufus Branarg Deymion. E você, jovem senhorita?

– Chris… Chris Falcon.

Rufus arregalou os olhos e ficou sem palavras. Logo em seguida, bateu as mãos em suas maçãs do rosto, para certificar-se de que não estaria delirando, pois ele sabia quem era Chris Falcon… e de repente, uma bela ruiva aparece dizendo ser quem ele sempre conheceu.

– Impossível! Chris Falcon está em Elsydeon. Eu sei que ele se parece uma garota, mas ele não é uma. Ainda mais tão peituda assim!

Chris se irritou. – Você me chamou de… peituda? – Sua mão direita começou a flamejar, e Rufus a encarava aterrorizado.

– Espere! Essas chamas azuis em suas mãos… a marca do Dragão! Chris… o que diabos aconteceu com você?!

– É uma longa história, Rufus. Uma longa e dolorosa história…

Erro 80070005 do MSN domingo, set 12 2010 

Olá amigos, estou abrindo esse tópico “off” para explicar como fiz para solucionar esse problema.

Quando liguei meu computador um belo dia, o MSN apareceu com esse erro, em que eu não podia nem marcar as opções “lembrar-me” e “Lembrar senha”. Além destes problemas, havia alguns outros no internet explore, no fire fox, e em alguns outros programas do PC, como o windows media player, que não salvava as músicas que eu ouvia na biblioteca.

Procurei a solução em vários fóruns e sites brasileiros e internacionais, e nenhuma das soluções apresentadas resolveu meu problema.

Assim, me surgiu a ideia de criar uma nova conta de usuário no computador e deu certo. Apesar de todos os programas estarem instalados num HD secundário válido para as duas contas, a segunda não apresentou erros.

Fica a dica, se alguém eventualmente tiver o mesmo problema. Eu resolvi criar aqui para compartilhar com os leitores, poderia criar contas nos zilhões de fóruns que visitei para tentar ajudar as pessoas, mas sinceramente, tenho preguiça.

Indefinivel. sexta-feira, set 10 2010 

A cidade enlouquece
os sonhos tortos
Na verdade nada
é o que parece ser
As pessoas enlouquecem calmamente
Viciosamente, sem prazer..”

Acordou com a familiar sensação de que tinha acabado de se deitar. Já fazia muito tempo que não sabia o que era uma noite bem dormida. “Tanto faz…” pensou, pegando o relógio de cabeceira para ver as horas. 17:37.

-Bem, mas um dia que começa…

Falou, com um sorriso amargo nos lábios, achando graça em ser irônica consigo mesma. Lembrou dos planos da noite, e o sorriso sumiu. Levantou, um banho, engoliu qualquer coisa que estava na geladeira, voltou para o quarto. Silencio…nem TV, nem musica, nada. Não queria ouvir nada, nem ninguém, não tinha vontade. Caminhou ate a janela, encostando o nariz no vidro frio. Os sons da cidade, dos carros, de musica alta tocando pelas casas vizinhas…esses sons ela não tinha como fazer sumir. Mas não importava. Ficou ainda um tempo ali, nariz no vidro, sem pensar em nada, planejar nada. De repente sacudiu a cabeça, e franziu a testa, tentando se lembrar que tinha algo a fazer. Já estava novamente se deixando levar pelo vazio que dominava tudo ao seu redor. Há muito tempo tudo estava vazio. Ela bem que tentou, bem que fez muito esforço para sair, falar com as pessoas, preencher esse vazio. Mas não tinha dado muito certo, no fim, ela acabava sozinha, e já nem mesmo suportava mais ter que falar com as pessoas. Elas nunca entendiam.

“A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não”

Sentada em frente ao espelho, começou uma meticulosa arrumação de si mesma. Trajava uma roupa simples e toda preta, saia longa, blusa que lembrava um espartilho, meias rasgadas, e botas pesadas. O visual de roqueira decadente que gostava de usar. Maquiou-se com esmero, cada traço, aperfeiçoando o aspecto borrado da coisa toda. Não havia pressa nela, alias, não havia objetivo nenhum, não tinha por quem ou pelo que fazer isso, apenas fazia. Apoiou o cotovelo na mesa, se olhando, e ficou por um tempo imaginando como seria bom ter alguém por quem se arrumar, não um desses que apenas a achavam bonita, isso tinha aos montes, mas sim um homem que a entendesse e amparasse, com quem fosse possível ter uma parceria, amizade, amor, quem sabe uma família de verdade….piscou os olhos como se acordasse, não fazia sentido ficar pensando em coisas que nunca aconteceriam.

“As cortinas transparentes não revelam
O que é solitude, o que é solidão
Um desejo violento bate sem querer
Pânico, vertigem, obsessão”

Andou por toda a zona da cidade onde costumavam ficar seus conhecidos, barzinhos cheios de roqueiros como ela, musicas das bandas que um dia ela gostou de ouvir, gente que um dia ela achou legal. Beijos, abraços, copos de cerveja, cigarros compartilhados. Sorriu, até chegou a brincar com algumas pessoas. Pena que sabia que aquilo era coisa só daquele momento, logo a noite passava, e não tinha ninguém que ela gostaria de levar para casa, um braço para encostar a cabeça, e ter proteção, quem sabe até uma boa noite de sono…Apostaria que muitos gostariam de ir, mas o que ela queria, o que precisava, sabia que ninguém podia dar. E quem podia, tinha feito outra escolha…

“A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite, não”

Madrugada. Como sempre, tudo já estava incomodando. Bem, ninguém podia dizer que ela não tentou uma ultima vez. Havia saído, passado mais uma noite nos lugares que gostava, fazendo o que gostava, com gente que gostava. Todos pareciam bem, mais uma prova que o problema era com ela mesma, o defeito estava dentro de si. Sem se despedir, foi deixando a zona dos barzinhos, seguindo os trilhos do trem. O vento noturno, com aquele cheiro característico da madrugada, dava um certo alento, olhou ao céu, e viu as estrelas. Pelo menos alguém estaria com ela naquele momento. Sorriu. Era uma bonita noite. Uma noite perfeita. Brincou de andar sobre os trilhos, testando o equilíbrio. Riu sozinha, com a brincadeira que lembrava os tempos de criança. Seu coração batia forte, um nó na garganta. Vontade de correr. “ Se ao menos alguém..” mas não, não havia ninguém, nem ia haver, já estava com vergonha das tantas vezes que tinha pedido socorro e ninguém entendia. Viaduto. Vento. Estrelas. Abriu os braços, tentou sorrir para a adorada noite, mas as lagrimas e o nó na garganta tolheram seu sorriso. Escorreram, borrando ainda mais a maquiagem. Não queria olhar para baixo. Fitou as estrelas. Quando o sol beijou o asfalto, seu corpo era apenas mais um no necrotério….
“Tá sozinha, tá sem onda, tá com medo
Seus fantasmas, seu enredo, seu destino
Toda noite uma imagem diferente
Consciente, inconsciente, desatino”

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ATENÇÃO

A depressão não escolhe ninguém pela classe social, etnia, gênero ou idade. Nem é preciso estar vivendo numa situação extrema como a miséria ou a perda de uma pessoa amada para adoecer. E sim, a depressão é uma doença. As pessoas com doença depressiva (estima-se que 17% das pessoas adultas sofram de uma doença depressiva em algum período da vida) não podem, simplesmente, melhorar por conta própria e através dos pensamentos positivos, conhecendo pessoas novas, viajando, passeando ou tirando férias. Sem tratamento, os sintomas podem durar semanas, meses ou anos. O tratamento adequado, entretanto, pode ajudar a maioria das pessoas que sofrem de depressão.

Esse conto foi inspirado com a leitura do livro O Demônio do Meio-dia – Uma Anatomia da Depressão, de Andrew Solomon, excelente livro, escrito por alguém que viveu todas as faces da doença.

Hoje, o estigma da depressão parece estar diminuindo, existem diversas formas de tratamento mas a depressão continua marginalizando e causando enormes danos à vida de milhões de pessoas.

Li essa materia aqui.
e copiei algumas partes, espero que a pessoa que escreveu não se incomode.

A musica, em destaque no texto, é do Lobão: “Essa Noite, Não”

O Contrato terça-feira, set 7 2010 

 

Ele sorriu de orelha a orelha, olhando todas aquelas fichas a sua frente na mesa de pano verde.  Finalmente as coisas estavam mudando para Jonathan Morgan., o modesto e humilde funcionário do tabelionato da cidade.

Até aquele momento, sua vida seguira a mesma rotina patética da maioria dos seres humanos, um caminho infeliz até a cova. Ele sentia que a cada segundo sua vida era extraída do corpo, e que suas oportunidades iam juntos.

Até aquele momento.

Tomado por indignação ao saber que seu amigo de infância – seu rival – estava rico, e ele, pelo contrário, tendo que sustentar três crianças e uma mulher doente, estava cada vez mais pobre.

Naquela mesma semana Jonathan decidira pedir dinheiro emprestado a seu velho colega. Quem mais ele poderia recorrer se não ao velho e bom Marcos?

Seus pais estavam mortos, não tinha irmãos e a maioria dos amigos atuais eram tão pobres quanto ele.

Ele estava farto, sim estava.

Ao entrar no luxuoso apartamento do amigo numa das melhores zonas de Nova York, sentiu as facadas da inveja rasgarem sua alma. O apartamento do amigo era cheio dos melhores e mais bonitos móveis, e cheio de futilidades como quadros, estátuas, etc.

E como não reparar na esposa dele? Alice era alta, loira, olhos verdes. Uma obra de arte criada por Afrodite.

– Você e feliz Jonathan, tem três maravilhosos filhos. – disse-lhe o amigo.

Aquilo queimou a alma de Jonathan como grama seca no verão. Como ele podia ousar dizer aquilo? ele tinha tudo que um homem poderia querer, dinheiro, uma linda mulher eu m bom emprego e mesmo assim ousava se lamentar por ser estéril e não poder ter filhos?

Lamentável.

No final, Marcos convidou-o para jantar, e depois foram ao escritório beber, e depois de algumas taças de um caro vinho de 1859, ele deixou escapar algo que mudaria a vida de Jonathan.

– Eu fiz um contrato sabe, com esse homem, Ferlin. Ele disse que eu teria tudo. Me arrependo.

Ferlin? quem seria esse? Jonathan não pode resistir, ignorando o lamento do amigo, e parou de beber, esperando que o amigo fosse mais além dos limites da consciência.

Ele obteve sucesso.

Lucius Felrin era um homem estranho, que aparecera ao seu amigo numa encruzilhada em que seu carro estragara treze anos atrás.

Naquela época Marcos e Jonathan tinham apenas 21 anos. Ambos tinham sonhos e esperanças.

Agora ele estava ali, diante do seu sonho realizado. Apostou o que não tinha para poder ganhar naquele cassino, mas apostou com uma certeza.

Esse homem, Ferlin, lhe garantira que ele iria ganhar, mas haveria um preço.

A troca equivalente ele disse.

– Você não pode ter algo, sem sacrificar outra coisa. O mundo precisa de equilíbrio.

Lucius Ferlin era um homem elegante, trajando um terno e calças pretas sobre uma camisa social vermelha. Seus cabelos pretos eram curtos e sua pele branca conservava traços finos europeus, assim como seu sotaque. Não era o tipo de pessoa que Jonathan esperava encontrar no meio de uma encruzilhada do subúrbio nova yorkino.

Algo em Ferlin o incomodara, em determinados momentos parecia que ele tinha olhos rubros, impressão dele, estava nervoso, com frio e cansado.

Queria ele estar certo.

Ele deixou o cassino com uma mala cheia de notas de dólares, com provavelmente mais de um milhão ali, era impossível dizer com certeza.

O jogo fora muito fácil, era como se os outros jogadores estivessem hipnotizados, como se as cartas que ele queria viessem a mesa.

Um sonho.

Não, certamente não, ele descobriria logo que aquilo era um pesadelo.

Estacionou o carro a frente de sua modesta casa, era um bairro pobre e perigoso, mas ele tinha precisado transformar a garagem no quarto para seu filho mais velho, Daniel.

Daniel tinha quinze anos e cuidava sozinho dos irmãos menores, Charles e Mary.

Catherine, sua esposa, estava com um câncer incurável, e infelizmente eles não tinham dinheiro para pagar por um tratamento melhor.

Mas isso mudaria agora – ele pensou.

Quando ele entrou em casa, com um sorriso tão brilhante quanto o sol do meio dia, levou um susto.

Como se o mundo tivesse desabado sobre sua cabeça, ele deixou a mala cair no chão e correu até o corpo flácido de Mary, que tinha a recém três anos.

Ela estava mergulhada numa poça de sangue, seus olhos abertos fitavam o ar, em seus lábios finos um sorriso alegre.

Ele virou os olhos para o canto, ao lado do sofá, estava Charles, com uma faca de cozinha na mão. A lamina afiada pingava sangue, nos seus olhos a loucura.

– Estávamos brincando papai.

– O que você fez? – gritou ele, saliva e lagrimas saltando junto com o desespero.

Ele repetiu a pergunta, enquanto a criança se aproximava lentamente, a lamina erguida.

– Vamos brincar papai?

O homem gelou, passando a mão nos cabelos negros, e correu em direção a cozinha.

Ele caiu de joelhos.

Daniel estava atirado no chão, com as tripas para fora do corpo. Sobre o balcão da cozinha havia um pão por fazer, provavelmente ele o preparava para Charles?

– Por quê? – disse ele.

O olhar nos olhos de Charles eram a própria morte. Olhos aqueles tão parecidos com os seus, de um azul profundo. Por quê?

– Vamos ao hospital brincar com a mamãe também? – a voz da criança ecoou fria, mas gentil.

Num ato de loucura, Jonathan pegou o banco da cozinha e jogou contra o pré-adolescente. O objeto o derrubou, afinal, Charles era magro e fraco, diferente de Daniel, que um dia jogara no time de futebol americano da escola.

Sentindo sua alma rasgar, ele pegou a faca da mão do filho e enterrou no seu estomago, a sensação era terrível. Sentir a lamina entrando lentamente na carne macia e juvenil de seu filho, sentindo o sangue brotar lentamente e impregnar o ar da cozinha, ressaltando o cheiro ferroso que já estava no ar.

A morte.

Não, não fazia sentido viver agora.

Todo o dinheiro que havia ganho, para que?

– Feliz? – soou uma voz fria, mas velha. A voz de Ferlin.

O homem, trajando as mesmas roupas da última vez que se viram, entrou na cozinha.

– Como entrou aqui? – perguntou Jonathan, levantando-se, com a faca nas mãos.

– Pode tentar me matar, mas não irá conseguir. Como sou muito bom e generoso, vim lhe dar uma explicação

– O que você quer dizer? Você é o responsável por isso?

Num ato de loucura, Jonathan voou contra Ferlin. Depois de matar seu próprio filho, matar aquele bastardo não seria problema. Sentiu a lamina entrando contra a carne dele, que diferente de seu filho era rígida, firme e fibrosa.

Lucius apenas gargalhou e empurrou Jonathan com a mão para longe, jogando-o contra os balcões da cozinha. Sentindo uma dor lancinante em suas costas, ele tentou ficar de pé.

– O que é você?

– Ora, isso é importante? – respondeu enquanto tirava a faca do seu estomago como se não fosse nada, e jogando-a ao chão. – temos um contrato, eu lhe fiz ganhar o dinheiro, e agora cobrei a divida.

– Então..foi…minha culpa?

– Certamente. Mas não se apegue a isso. Seu amigo Marcos nunca poderá ter filhos, veja pelo lado bom, você os teve até agora e ainda poderá ter outros. Use o dinheiro para salvar sua mulher. O que são três humanos tão jovens, não é? Você pelo menos poderá fazer mais.

– Então foi isso…por isso Marcos é estéril – sua voz era quase um sussurro, ele sentia suas pernas tremendo. Ergueu a cabeça, a fúria crescendo em seus olhos e boca na forma de um berro – como ousa dizer isso, seu monstro, como ousa falar assim dos meus filhos!

– Você teve o que queria, da próxima vez, não tente trapacear, tenha menos auto piedade e lute mais. Vocês humanos adoram nos culpar por suas falhas de caráter. A Verdade meu caro Morgan, é que nós não interferimos nas vidas dos mortais, salvo por esses contratos. Temos mais assuntos a tratar do que assombrar vocês.

– “nós”? – suas sobrancelhas se survarma – o que vocês são?

– Faça as contas meu caro, encruzilhadas, contratos, imunes as armas mortais. Bem, acho você deve ter alguma cultura.

– Demônios. – ele caiu de joelhos.

Ferlin apenas sorriu

– Já fiz meu ato de generosidade do ano, agora tenho mais contratos a fechar.

Quando Jonathan piscou os olhos, ele havia desaparecido.

E agora?

O que restava para ele?

Nada.

Provavelmente seria acusado de matar os filhos, quem acreditaria que um jovem de doze anos surtaria e mataria os irmãos? Ou pior, quem acreditaria que um demônio fez isso.

Ninguém.

Com a sua mão tremula, pegou a faca que tirara a vida de seus filhos, aquela arma sádica, hipócrita.

Não existia bem e mal afinal.

A faca que sempre servira para cortar o alimento dos seus filhos, cortara também a vida deles.

E agora, ceifaria a sua.

Num ato frio e único, sem hesitações, ele enfiou a lâmina em seu peito.

Tudo foi ficando escuro, e por uma curta fração de segundos, antes de finalmente cair no colo da morte, viu-a ali diante dele, com sua foice em uma mão e Charles a outra. Daniel segurava Mary no colo.

A morte parecia ser um jovem rapaz de aproximadamente vinte anos, cabelos arrepiados e pele pálida, uma expressão paciente no rosto.

– Desculpe papai – disse o pequeno Charles.

Finalmente ele se foi, com a certeza de que estaria com seus filhos, e na esperança de que sua mulher se curasse.

Encontro fatal segunda-feira, set 6 2010 

Seu coração batia desregulado. Presa pelo feitiço poderoso da criatura, mal lhe restava a capacidade de pensar. O cheiro dele entrava pela sua narina de uma forma atroz, uma mistura de podridão e perfume, suor, sangue e volúpia que a entontecia, encantava, e enojava. E o toque… a pele fria e ao mesmo tempo suave….os dedos dele percorrendo seu pescoço eram a mais aterrorizante caricia que ela recebera…medo e prazer a fizeram desejar gritar, mas o grito não saiu da sua garganta, ao mesmo tempo que sentia umidade entre as pernas…enquanto os olhos dele a hipnotizavam, fisgavam o mais profundo do seu ser, ela ouvia tambores descompassados, e instintivamente soube que era o seu coração. E soube que era a ultima vez que o ouvia bater daquele jeito….

Sentiu o puxão no cabelo no momento que transferia energia para a muda de Juniperus Communis, da qual pretendia extrair um óleo enriquecido o mais rápido possível. Deu um pulo para trás como um gato, e ouviu a gargalhada de Adrian.

— Esta ficando lerda, Syn, é a idade?

Ela sentiu as bochechas ficarem vermelhas, tanto da vergonha de ser pega desprevenida, tanto de raiva da forma que Adrian sempre achava para tirar uma com a cara dela. Encarou ele, bufando, e saiu correndo para alcançá-lo.

— Você me paga, Adrian. Já te mostro quem é que tem idade para ser lerdo.

Ele saiu correndo entre as arvores, ainda gargalhando, fingindo que fugia da fúria dela. Syn não tinha irmãos, e apesar de Adrian ser quase 10 anos mais velho, era com ele que ela passava a maior parte do tempo, treinando juntos, mas também dividindo bons momentos de amizade. Eram companheiros inseparáveis, os dois trabalhavam nos laboratórios do pai dela, Phillip Sangery, um renomado mago, que havia alcançado grande poder e sabedoria. Pra Syn, estar junto ao pai e aprender com ele era algo que beirava a idolatria, para Adrian, era uma grande honra ter essa chance. Os dois não desperdiçavam esforços para serem bem vistos pelo mago mestre. Adrian deu a volta a um velho carvalho, justo quando Syn o estava tocando, e a agarrou pela cintura, os dois indo parar no chão. Adrian fingiu que lutava com ela por alguns instantes, depois a imobilizou, e olhando nos olhos dela, disse:

— Calma, ferinha, guarde essa energia para o vampiro que esta na floresta.

Syn arregalou os olhos.

— É mesmo um vampiro?

Ele fez que sim com a cabeça, e deitou ao lado dela, os dois olhando o céu.

— Pensei que poderíamos pegá-lo hoje a noite.

    Ela corria, pisando gravetos e folhas secas no chão. Já havia identificado de onde vinha o rastro que seguia, e todos os indícios levavam a crer que era mesmo um vampiro. Estava ofegante, mas mesmo assim, um sorriso pairava em seus lábios, imaginando o brilho no olhar de Phill, quando ela lhe entregasse a criatura para seus estudos. Queria ver o pai orgulhoso dela, isso era a melhor sensação do mundo. Um vampiro… Por mais que fossem temidos pelos humanos, vampiros costumavam ser presas fáceis para magos como ela, as capacidades deles normalmente não eram páreo para a mágika dos despertos. Enquanto corria, Syn já imaginava o que poderia extrair da criatura. Adrian ia um pouco mais a frente, os dois cercando o vampiro pelos flancos, não iriam dar a ele a chance de uma rota de fuga. De repente, sem aviso, foi como se a própria umbra revelasse suas entranhas, e num baque surdo, o mais horrendo monstro que ela já vira pousou no chão a sua frente. A criatura devia ter pelo menos 3 metros de altura, e apesar de seu corpo ter formas humanas, aquilo tinha bem pouco de humano em si próprio. Syn sentiu mais que o baque do pouso do ser: sentiu o próprio ar estalar com a malignidade emanada dele. Antes que esboçasse reação, Adrian apareceu por trás da criatura, evocando sua magia para atacá-lo. Foi ai que o mundo enlouqueceu: com uma velocidade impressionante, o monstro avançou em Adrian, e o jogou longe, Syn tentou lançar um feitiço para prendê-lo, mas quase no mesmo instante sentiu a patada dele em seu peito, e foi arremessada alguns metros a frente. A criatura parecia sorrir para ela, enquanto o resto do mundo rodopiava. Sentiu quando a mão dele se fechou contra seu pescoço, mas a dor dos ossos partidos em seu peito sufocava qualquer reação. Ela definitivamente não estava preparada para um embate físico. Seu corpo era o corpo comum de uma adolescente de 17 anos que não era fã de exercícios, e apesar de ser bem torneado, não era forte. Syn tinha a mágika a sua disposição, e isso sempre foi suficiente…até agora. Ouviu Adrian gritar, e o monstro se virou para ele, ainda segurando ela pelo pescoço, como se fosse apenas uma boneca que para ele não tinha peso algum. A dor foi lancinante. Via Adrian em meio a um esboço, o amigo enfrentava a criatura…de repente, uma movimentação mais rápida, uma vibração intensa no ar, e o silencio….

    Agora via a loucura na qual tinha se metido. O que estava pensando quando veio junto com Adrian para essa “aventura”? Em que estava pensando quando acreditou que os dois seriam capazes de enfrentar o que quer que seja que estava rondando a floresta? Quando sentiu seu corpo ser erguido, abriu os olhos e se deparou com os olhos da criatura. Ele a olhava com desejo. Sentiu a força dele a prendendo, e soube que não era apenas força física. Havia magia naquele ser, uma magia antiga e tão maligna, que beirava a obscenidade. O terror de estar nas garras dele era indescritível, mas algo mais brotou dentro dela, fruto do poder do monstro: Syn desejou ser dele. Ela com certeza não se dava conta de todas as emoções que sentia ali, o instinto de sobrevivência sendo superado pelo desejo de se submeter a ele…desejou saber seu nome. Seus lábios queriam pronunciar o nome da maravilhosa criatura, e se encheu de angustia por não saber a palavra. A doce e promissora bruxa, a promessa do coven, a herdeira dos Sangery, naquele momento só desejava se submeter…Seu coração disparou, os olhos dele prendiam os dela, enquanto ele aproximava o rosto do seu. Aquilo pareceu um êxtase nos poucos segundos que durou. Parecia o anuncio de um beijo, mas a boca dele não colou na sua…Syn sentiu o beijo no pescoço, o carinho…e a dor….

    Foi a ultima vez que o sangue correu em suas veias.

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