Às vezes ele se sentia como se estivesse atrás de um vidro, separando-o das pessoas ao seu redor. Era como se houvesse um enorme mar de trevas separando-o das pessoas: um abismo.

Ele era certamente uma fonte luminosa poderosa. A única conclusão que sua apurada mente pode chegar era a de que para existir as trevas, deveria haver a luz. Se havia trevas entre ele e as pessoas, ele deveria ser a luz. Os outros? Não, eram inferiores demais para serem comparados até mesmo a um vagalume.

A certeza veio alguns dias atrás, quando Anastácia virou para ele com um ar intrigado.

– Nossa! você tá virando nerd.

Ele sorriu, meneou a cabeça e respondeu algo como “eu percebi”. Como assim? Ele está se tornando um nerd. Primeiramente, ninguém se torna algo.

Como dizia o sábio Zedd, personagem de seu livro favorito, “Não podemos ser nada mais do que somos”.

Claro, ele não podia estar se tornando algo que ele já era. Ela não havia percebido, era isso.

Mas quem alguma vez conseguiu entendê-lo?

Uma amiga distante, mergulhada em seus próprios tormentos, conseguia entendê-lo, contudo, ao seu redor, ninguém o entendia.

Certamente você deva estar imaginando o garoto como aqueles típicos excluídos que atendam ao perfil de um nerd. Não, não se engane. Alexander era alto, porte atlético, nadou, jogou basket, andou de skate, foi em festas, passou férias com os amigos na praia. Ele era o que as pessoas podiam chamar de um adolescente normal.

Mas isso era uma parte dele.

O que as pessoas não viam, estava escondida sob a superfície.

Quanto mais ele mostrava quem ele realmente era por baixo daquele personagem, menos as pessoas o viam.

Era como se ele tivesse dentro de si um lugar seguro para se esconder. Esconder-se do mundo, dos problemas, uma válvula de escape. E essa era através da leitura, dos jogos, da escrita.

Alguma coisa dentro dele era invencível, sempre tornando suas fraquezas em força.

Ele manuseou o livro em suas mãos: um livro de matemática.

Afinal, o que um jovem estudante de direito faria com algo assim? Talvez ele fosse tão diferente dos jovens britânicos que isso não pudesse ficar enterrado por muito tempo. Mas qual o problema com a fome de conhecimento?

Talvez o problema fosse que essa fome o consumia. Às vezes ela saltava em seus olhos, e quando isso acontecia, ele precisava rapidamente se controlar.

Suspirou, sorriu para si mesmo.

Uma semana depois do comentário infame de Anastácia, outro golpe em sua fé nas pessoas. Estava em meio a uma interessante aula, quando sua amiga se levantou e foi embora. Aviso para poder copiar a matéria de sua outra amiga, Janet, ele pulou para o lugar ao lado dela, outrora ocupado por Anastácia. Numa tentativa de não incomodá-la, pegou seu caderno sobre o colo e empurrou a mesa um pouco para frente, para ter espaço.

De repente, o barulho.

O livro de Janet estava dividido entre as duas classes, e quando ele moveu a dele, o livro moveu-se na outra mesa empurrou o estojo dela no chão.

– Você tinha que vir para cá né? Não podia ficar no seu lugar.

O garoto nada disse. Sua vontade foi de xingá-la, falar tudo que pensava dela. Como ela ousava repudiá-lo assim? Deveriam ser amigos, e amigos deveriam se ajudar. Não, era mais do que isso, um ser humano não deveria se importar com coisas tão banais, como acidentes.

O problema não era a amizade, o problema eram os seres humanos.

Desde aquele dia, sua mente vinha sendo assombrada por essa percepção: Havia um abismo entre ele e a humanidade. Alexander sabia que não era perfeito, cometia erros e maus julgamentos, mas tinha certeza que era um ser humano melhor que a maioria.

Que a maioria, claro, existia exceções. Não havia duvidas de que algumas pessoas se salvavam.

Escorou-se numa parede, era um dia quente de verão. O sol brilhava forte no céu parcialmente nublado. Em Manchester os invernos eram extremamente frios, e os verões extremamente quentes. O suor molhava sua testa e uma gota descia lentamente por suas costas. Deveria estar ali a pouco mais de quinze minutos e nada do maldito ônibus chegar. Odiava ônibus.

– Hey, cuidado! – gritou uma garota.

Ele virou-se a tempo de vê-la.

Seus cabelos castanho-escuros balançavam no ar. Ela trajava uma calça jeans, apesar do calor e uma blusa regava leve branca. Ela acenava como uma louca, balançando os braços, e nisso fez dois carros pararem, um de cada lado da via.

Ele, assim como todos que observavam, não entendeu. Ela se abaixou, mas ele não pode ver para que, pois a Mercedes bege que ela havia parado atrapalhava sua visão. Ela começou a correr e aproximou-se da calçada, trazendo nos braços um pequeno gato malhado branco e preto.

Alex ergueu uma sobrancelha, impressionado.

Exceções.

Ele sorriu, como não? Como ele poderia não ficar feliz por ver uma garota arriscar sua própria vida para salvar um animal indefeso?

Ele marchou até ela, decidido: tinha de conhecê-la.

– Com licença? Posso ajudar?

– Não, obrigada. Ele está com a pata machucada, vou levá-lo a um veterinário.

Ela deu as costas para ele, com o felino nas mãos, e saiu andando. Ele acelerou o passo e a alcançou.

– Posso ir com você? Adoro gatos – ele sorriu, coçando atrás da cabeça e corando – e animais em geral, sabe, meu sonho é ter um husky siberiano e um gato preto de olhos amarelos.

– Eles soltam pelo demais, sabe? – ela sorriu gentilmente.

Ele percebeu que era um convite e seguiu com ela.

Talvez finalmente Alex tivesse encontrado alguém na mesma margem do abismo que ele.